Lixo não é mais tabu na gastronomia

26/09/2017

Refettorio Gastromotiva do chef Massimo Bottura, que reaproveita alimentos desperdiçados no seu menu

 

Texto: Ale Forbes, colunista da Folha de S. Paulo e co-fundadora do Refettorio Gastromotiva.

Em julho, durante um delicioso almoço no premiado restaurante Florilège, em Tóquio, o garçom pôs na minha frente, entre um prato e outro, um papelzinho. Dizia: “No Japão jogam-se fora 17 bilhões de quilos de comida por ano, dos quais cinco a oito bilhões de quilos são comestíveis. () Acreditamos em sustentabilidade e na minimização do desperdício alimentar”.

Quando escrevi minha primeira coluna sobre esse tema, em janeiro de 2014, era algo de que ainda raramente se falava. Só chefs muito engajados ousavam jogar luz na ferida. A maioria preferia tapar os olhos para o fato de que em seus restaurantes muita comida perfeitamente boa para consumo ia para o lixo. O público, então, nem se fala: questionar o destino das toneladas de alimentos vencidos descartados nos supermercados, nas lojas e nas casas sempre foi tabu.

Agora o jogo virou. Chefs famosos e influentes como o americano Dan Barber e o italiano Massimo Bottura levantaram a bandeira da luta ao desperdício por meio dos projetos WasTED e Food for Soul, respectivamente. Muitos outros abraçaram o tema também, como o americano Matt Orlando, que reaproveita 80% dos dejetos em seu restaurante Amass, em Copenhague.

De repente, assuntos que eram tabu, como receitas preparadas com restos, passaram a ser mais do que aceitáveis. Em outubro chegará aos cinemas norte-americanos o documentário “Wasted! The History of Food Waste” (Lixo! A História do Desperdício Alimentar), do chef celebridade Anthony Bourdain, um dos produtores do filme. No trailer abundam cenas desoladoras de mendigos famintos e lixões repletos de comida desperdiçada, mas isso não impedirá que seja um blockbuster.

Bottura lançará também em outubro o livro “Bread is Gold” (Pão é Ouro), pela Phaidon, uma coletânea de receitas que usam ingredientes geralmente considerados lixo, como pão velho e caules. Conseguiu-as com os chefs que cozinharam no restaurante “desperdício-zero” que ele construiu para alimentar os pobres em Milão, o Refettorio Ambrosiano.

No Brasil, o chef Alex Atala será anfitrião em janeiro do fórum Fruto, onde estudiosos discutirão temas como educação alimentar e meio ambiente. E vem surgindo aplicativos como o Responsa, que mapeia feiras de ingredientes orgânicos e grupos de consumo responsável. Que bons ventos embalem e fortaleçam essa onda!